Habitava perto de Lisboa, onde fazia a minha vida escolar, essencialmente, e, nas férias, aos fins-de-semana, ou seja quando estava "livre", rumava aos doces campos do Alto Alentejo que davam outro sentido à minha vida.
A alegria de chegar, depois de uma viagem longa, de várias horas e avistar aqueles campos enormes, de veludo verde intenso, pontilhados de roxo, amarelo e vermelho faziam o meu dia! Sonhava frequentemente que rebolava por esses campos imensos, enrodilhada nos seus cheiros e sons tão característicos... e era tão bom!
O Alentejo não me deu só essa sensação de pertença de que na cidade nunca usufruí... O Alentejo deu-me, em conjunto com os meus avós, com a família que me esperava sempre que lá chegava, um sentido de Natureza, de Campo, de Tradição que em mais lado nenhum encontrei.
Uma das coisas que ali começaram a fazer parte da minha vida e que mais me marcaram foram as Tradições. As procissões (e a cera das velas derretida na roupa e nos dedos), os cânticos (e a garganta rouca de os cantar ao desafio), o "pão por Deus" (e os olhares enfadados de quem tinha de nos aturar), as Janeiras (e o frio nos joelhos), as bolachas (e os rebuçados... ah os rebuçados do Dr. Bayard), as moedinhas (e os bolsos rotos por onde elas escorregavam), as matracas (e os pesadelos que o seu som nos provocava), o madeiro (e o cabelo a cheirar a fogueira), as flores (e os ramos que fazíamos com elas), o folar (e o ovo que o acompanhava), as fogueiras (e as solas de borracha dos sapatos queimadas), as missas do galo (e a excitação das prendas), as espigas ( misturadas com as papoilas... ah as papoilas)... Uma das tradições que ficou foi a das Maias...
Na altura... era festa, era festa, não havia cá: "Ah, as Maias, porquê?", ou "E de onde é que vêm estas ideias e estas tradições?"... O pessoal vestia-se de branco, capelas de giestas na cabeça, giestas espalhadas pelas portas e pelas janelas, vá de cantar em roda e de pés descalços na terra, com sorte havia a dança das fitas e o famoso mastro, gargalhadas, canções, piquenique e está feito!
Passados mais de 20 anos, vem-me à lembrança (hoje, dia 1 de Maio), que eu celebrei tantas vezes tantas coisas sem saber o que eram.... Hoje sei que esta tradição (como tantas outras) é Pagã, e que remete para as celebrações de início da Primavera, de fertilidade (os Pagãos e fertilidade :) ), do início de um novo ciclo agrícola.
Maio grita VIDA, ALEGRIA, FLORES, PRIMAVERA, FESTA, ABUNDÂNCIA... e claro FERTILIDADE.
Beltane, ou Beltaine era um festival gaélico de raiz, portanto, céltica que marcava o final do lento e denso Inverno e o início da estação do vibrante Sol. Tais tradições, espalhadas pela Europa, tinham reflexo, entre outras, por exemplo no Germânico (Nórdico) Walpurgia e nas nossas Maias.
Estas celebrações, na sua raiz, pretendem marcar a transição de um estação fria e de introversão para a estação da abertura e da alegria e do Amor. Normalmente todos os festejos ritualizados (ou não) destas comemorações implicavam festas, fogueiras, cultos de feminidade e virilidade, poder sexual, cânticos, uniões, bênçãos, pedidos de fertilidade...
Estes Festivais, como outra coisa não seria de esperar, foram sendo banidos pelos poderes instituídos (quer pela Igreja quer pelo próprio Estado); Em Portugal, houve uma carta régia em 1402 que proibia que se cantassem as Maias (ou as Janeiras, fiquem sabendo), e outras cousas contra a Lei de Deus... Evidente, mas apesar disso, versões mais soft destes festejos foram ficando até aos nossos dias.
Hoje, com os fenómenos Wicca, Neo-Pagãos (essencialmente) revitaliza-se e re-enquadra-se esta tradição. Acendem-se fogueiras, ritualizam-se pedidos de abundância, protecção e Amor, espalham-se as flores de giesta pelas casas, limpam-se os espaços, dança-se em círculos sagrados. Celebra-se, enfim, o sol e a sua entrada definitiva nos nossos dias durante os próximos meses.
Sejas, pois, bem-vindo mês de Maio com todos os teus cheiros, gargalhadas, abundância, tardes doces e noites amenas.
Grata pelo teu retorno, uma vez mais.
Que derrames sobre nós o teu riso farto e eterna boa disposição.
Limpa e abençoa as nossas casa com o teu toque dourado da prosperidade.
Bem-hajas!
À 4ª hora de Marte de um dia de Marte (eh, eh)
Sem comentários:
Enviar um comentário