De todas as vezes que a encontrei, na mesma incerta rua de Lisboa, aquele é o seu lugar.
Costuma estar a acabar um cigarro de olhos postos nas nuvens (quando as há, no céu) alheada e indiferente a quem com ela se cruza.
Nunca trocámos um só olhar (porque as nuvens ou os movimentos acrobáticos dos pássaros são bem mais interessantes do que as pessoas que por ali passam, e nisso louvo o seu olhar selectivo). Mas eu reparo, timidamente, que ela tem sempre um pedaço de pano triangular a segurar-lhe os rebeldes fios grisalhos do seu cabelo. Usa umas calças de ganga com uma dobra grande em cada perna, a fingir de bainha e um mesmo casaco que é como se fosse uma segunda pele sua.
O mais jovial da sua figura são os olhos... que sorriem, mesmo quando todos nós que passamos por ela temos, sem razão, olhares mais pesados do que o seu.
Os seus olhos sorriem, mesmo que a sua história caiba numa saco de plástico velho e enrugado;
Os seus olhos sorriem mesmo que a manhã seja mais fria e o maior agasalho que possui seja o seu casaco coçado;
Os seus olhos sorriem às pequenas coisas e ela é leve como o fumo do seu cigarro.
Nunca tive coragem de lhe perguntar o nome mas lá há de chegar o dia em que me encho de coragem e lhe vou agradecer pelo sorriso dos seus olhos, que me torna a mim mais leve.
Num dia de Lua à primeira hora da Lua
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