terça-feira, 1 de maio de 2012

O Alentejo, as Maias, Beltane e Walpurgia...

Tive a sorte de ter crescido, repartida, entre o Alentejo e a Cidade.

Habitava perto de Lisboa, onde fazia a minha vida escolar, essencialmente, e, nas férias, aos fins-de-semana, ou seja quando estava "livre", rumava aos doces campos do Alto Alentejo que davam outro sentido à minha vida.

A alegria de chegar, depois de uma viagem longa, de várias horas e avistar aqueles campos enormes, de veludo verde intenso, pontilhados de roxo, amarelo e vermelho faziam o meu dia! Sonhava frequentemente que rebolava por esses campos imensos, enrodilhada nos seus cheiros e sons tão característicos... e era tão bom!

O Alentejo não me deu só essa sensação de pertença de que na cidade nunca usufruí... O Alentejo deu-me, em conjunto com os meus avós, com a família que me esperava sempre que lá chegava, um sentido de Natureza, de Campo, de Tradição que em mais lado nenhum encontrei.

Uma das coisas que ali começaram a fazer parte da minha vida e que mais me marcaram foram as Tradições. As procissões (e a cera das velas derretida na roupa e nos dedos), os cânticos (e a garganta rouca de os cantar ao desafio), o "pão por Deus" (e os olhares enfadados de quem tinha de nos aturar), as Janeiras (e o frio nos joelhos), as bolachas (e os rebuçados... ah os rebuçados do Dr. Bayard), as moedinhas (e os bolsos rotos por onde elas escorregavam), as matracas (e os pesadelos que o seu som nos provocava), o madeiro (e o cabelo a cheirar a fogueira), as flores (e os ramos que fazíamos com elas), o folar (e o ovo que o acompanhava), as fogueiras (e as solas de borracha dos sapatos queimadas), as missas do galo (e a excitação das prendas), as espigas ( misturadas com as papoilas... ah as papoilas)... Uma das tradições que ficou foi a das Maias...

Na altura... era festa, era festa, não havia cá: "Ah, as Maias, porquê?", ou "E de onde é que vêm estas ideias e estas tradições?"... O pessoal vestia-se de branco, capelas de giestas na cabeça, giestas espalhadas pelas portas e pelas janelas, vá de cantar em roda e de pés descalços na terra, com sorte havia a dança das fitas e o famoso mastro, gargalhadas, canções, piquenique e está feito!



Passados mais de 20 anos, vem-me à lembrança (hoje, dia 1 de Maio), que eu celebrei tantas vezes tantas coisas sem saber o que eram.... Hoje sei que esta tradição (como tantas outras) é Pagã, e que remete para as celebrações de início da Primavera, de fertilidade (os Pagãos e fertilidade :) ), do início de um novo ciclo agrícola.

Maio grita VIDA, ALEGRIA, FLORES, PRIMAVERA, FESTA, ABUNDÂNCIA... e claro FERTILIDADE.

Ora, como na vida nada é por acaso, descobrir que quer a festa de Beltane quer Walpurgia se comemoram na noite de 30 de Abril para um de Maio... não espanta nada, certo?

Beltane, ou Beltaine era um festival gaélico de raiz, portanto, céltica que marcava o final do lento e denso Inverno e o início da estação do vibrante Sol. Tais tradições, espalhadas pela Europa, tinham reflexo, entre outras, por exemplo no Germânico (Nórdico) Walpurgia e nas nossas Maias.
Estas celebrações, na sua raiz, pretendem marcar a transição de um estação fria e de introversão para a estação da abertura e da alegria e do Amor. Normalmente todos os festejos ritualizados (ou não) destas comemorações implicavam festas, fogueiras, cultos de feminidade e virilidade, poder sexual, cânticos, uniões, bênçãos, pedidos de fertilidade...

Estes Festivais, como outra coisa não seria de esperar, foram sendo banidos pelos poderes instituídos (quer pela Igreja quer pelo próprio Estado); Em Portugal, houve uma carta régia em 1402 que proibia que se cantassem as Maias (ou as Janeiras, fiquem sabendo), e outras cousas contra a Lei de Deus... Evidente, mas apesar disso, versões mais soft destes festejos foram ficando até aos nossos dias.

Hoje, com os fenómenos Wicca, Neo-Pagãos (essencialmente) revitaliza-se e re-enquadra-se esta tradição. Acendem-se fogueiras, ritualizam-se pedidos de abundância, protecção e Amor, espalham-se as flores de giesta pelas casas, limpam-se os espaços, dança-se em círculos sagrados. Celebra-se, enfim, o sol e a sua entrada definitiva nos nossos dias durante os próximos meses.

Sejas, pois, bem-vindo mês de Maio com todos os teus cheiros, gargalhadas, abundância, tardes doces e noites amenas.
Grata pelo teu retorno, uma vez mais.
Que derrames sobre nós o teu riso farto e eterna boa disposição.
Limpa e abençoa as nossas casa com o teu toque dourado da prosperidade.
Bem-hajas!

À 4ª hora de Marte de um dia de Marte (eh, eh)

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